segunda-feira, 19 de agosto de 2013

"O homem que não tinha tudo" (Critica do site Black Zombie para o filme "O Homem de Aço")

Belíssimo texto indicado pelo Wendell Lima, da comunidade Super-Homem, no Orkut (SIM, eu ainda frequento o orkut!). Apesar de discordar de alguns detalhes aqui e ali, no geral posso afirmar que essa resenha reflete bem a minha visão atual do filme. Então, leiam e tirem suas próprias conclusões!



(Por Doggma)

Sempre achei meio complicado comentar qualquer filme do Superman. Sou da 2ª geração de guris arrebatados pelo saudoso Christopher Reeve em sua personificação do herói. Meu caso, por sinal, é perdido: até hoje sou fascinado pela quadrilogia inteira, mesmo com a metade dela sendo muito ruim e toda ela muito envelhecida. O que nunca foi problema pra mim. Revejo aqueles filmes como alguém que relê um bom gibi da Era de Prata. Fora isso, tenho a forte sensação, não apenas nostálgica, de que aquela (ingênua) mensagem de respeito, caráter, esperança e altruísmo jamais será igualada. Ou mesmo almejada. Os tempos são outros. Mas pelo próprio bem do personagem, a necessidade de se aventurar nesse mundo atual cinzento com matiz verde-blockbuster é prioridade.

Em 2004, quando a Warner contratou Bryan Singer para dirigir o novo filme do Superman, houve uma celeuma natural entre os fanboys, ávidos por um herói atualizado em discurso, estética e, principalmente, ação, ah, a ação. Poucos pareciam tão aptos para a tarefa quanto o sujeito que viabilizou os X-Men nas telonas. Para desespero do público, Singer se deixou seduzir novamente pela magia temporã de Richard Donner e fez da produção um tributo aos dois superfilmes que, de um jeito ou de outro, levaram a sua assinatura. Apesar de alguns poucos terem se reconectado uma vez mais àquele espírito e secretamente agradecido ao Singer por isso (arram), todos concordaram que foi uma chance desperdiçada de repaginar o herói para uma dinâmica moderna e assim seguir em frente com a mitologia.

A possibilidade de ver o Superman do cinema enfrentando ameaças da sua ordem de grandeza - entre as numerosas opções de sua galeria de vilões - voltou a ser longínqua e onírica, quase improvável. Parecíamos fadados a reprises de Neo vs. Agente Smith e devaneios à base de Dragonball Z. Porém, com a ajudinha indireta de um colega de capa, uma nova chance não tardou.

O Homem de Aço (Man of Steel, 2013) veio para assumir essa responsabilidade e, com a direção nada sutil de Zack Snyder, fez o que parecia impossível, possível. Felizmente, meus temores se revelaram infundados. O filme não só apresenta o personagem para o século 21, como responde sem firulas velhas trivias nerd sobre sua contraparte cinematográfica. Por exemplo, qual o estrago que um ser como ele poderia fazer numa metrópole - ou Metrópolis - retratada da forma mais realista possível para uma superprodução hollywoodiana. Nada muito reflexivo ou existencialista, mas a pegada principal não era essa.

Ainda que David S. Goyer tenha acumulado pontos via Batman, seu roteiro, baseado na premissa concebida com o normalmente cerebral Christopher Nolan, se rende com frequência ao fan service. O que, em teoria, não é diferente do praticado no cinemão pop estadunidense pelos [Michael] Bays e [Roland] Emmerichs da vida, não fosse por um detalhe primordial: é um filme do Superman, a.k.a Clark Kent, rapaz do Kansas criado por pais adotivos com um grande senso moral e uma visão humanista do mundo. Eventualmente, isso entra em conflito com o perfil blockbuster da história e também mostra que O Homem de Aço herdou mais da trilogia quiróptera de Nolan do que um mercado comercialmente favorável.



O começo do filme é punk puro. Vemos os turbulentos dias finais de Krypton, outrora uma grandiosa civilização interplanetária, agora decadente e varrida por uma tentativa de golpe liderada pelo renegado General Zod (Michael Shannon). Completando o worst case scenario, o núcleo do planeta entrou em colapso e está na iminência de explodir, impossibilitando assim qualquer chance de sobrevida, exceto uma: o codex genético no qual estão armazenadas as linhagens de toda a raça kryptoniana. Não por acaso, é o objeto de desejo máximo de Zod, que planeja erguer uma nova Krypton sob seu comando, aplicando seus próprios parâmetros de eugenia.

Como uma última grande conquista do Krypton way of life, Zod e seus seguidores - entre eles a formidável operativa Faora-Ul (Antje Traue) - são derrotados, presos e enviados à Zona Fantasma. Tudo graças à intervenção do líder cientista Jor-El (Russell Crowe), que frustra os planos do militar ao mesmo tempo em que envia seu famoso filho recém-nascido à Terra para escapar do destino de Krypton. Adotado pelo casal Jonathan (Kevin Costner) e Martha Kent (Diane Lane), Clark, a.k.a Kal-El (Henry Cavill), atravessa a vida escolar deslocado e solitário, até que um dia sai pelo mundo em busca de suas raízes. Pelo menos, até ser rastreado pela repórter investigativa Lois Lane (Amy Adams). Assim, nasce uma mitologia moderna - que logo é posta à prova quando Zod e seus camaradas aportam na Terra com intenções nada diplomáticas.

Snyder deixa claro que o objetivo é reformar o universo do Superman desde as bases mais profundas. Krypton nunca foi visto assim fora dos quadrinhos. O que era um planeta asséptico e estéril em sua concepção prévia, virou uma esfera terrígena cheia de vida, não fazendo feio nem perto de Pandora, embora nitidamente debilitada pela falência de seus recursos naturais. O estilo da arquitetura traz a impressão de estarmos vendo alguma splash page do saudoso Moebius ganhando vida. Sendo apenas uma introdução, pouco é revelado sobre a cultura e o contexto social. Percebe-se o contraste de uma sociedade avançada para os padrões humanos, mas não tanto a ponto de abrir mão de trabalho animal ou de superar dogmas arcaicos. Um toque bastante mundano por parte do roteiro. E sobretudo, eficiente: ao mesmo tempo explica por que Krypton abandonou a expansão para outros planetas e suas respectivas terraformações (ou seriam kryptoformações?) e por que não iniciou um êxodo pelo espaço para salvar seu povo da extinção.

Esse aspecto também ajuda a compor a inesperada tridimensionalidade do personagem Zod.



Diferente do oficial aristocrata eternizado por Terence Stamp, o Zod de Michael Shannon é um nacionalista, um soldado comprometido com a missão da sua vida. Portanto, nada de "ajoelhe-se perante Zod". Do levante antigovernista em seu planeta natal até suas ações genocidas na Terra, seu intento é um só: a salvação da sua raça, não importa o custo. E pensando bem... importaria? Se qualquer um faria o mesmo em seu lugar ou se Krypton já teve sua chance é uma questão ética que sustenta uma boa discussão. O fato é que resumi-lo como vilão com uma raison d'être tão autêntica já não fica tão simples assim. A cena em que Zod, desesperado, apela para que a esposa de Jor-El, Lara (Ayelet Zurer), não lance a nave com o codex (e seu filho) destaca ainda mais a ambiguidade da situação.

Mais pra frente, o filme acaba cedendo ao tomar partido na cena da bad trip do Superman, onde ele descobre os planos de Zod para os nativos da Terra, mas até ali o saldo conceitual era muito positivo. É mais do que se poderia esperar de um filme-pipoca. E não para por aí.


A cinebiografia do Clark pré-Superman ainda é escassa em detalhes, mas ganhou no filme uma profundidade inédita até então. Cair na estrada como um benfeitor anônimo, ao velho estilo "David Banner", se revelou um recurso ainda eficiente. Foi uma boa estratégia pra ficar fora do radar e, ao mesmo tempo, antenado com o mundo à sua volta, atrás de qualquer sinal de anormalidade que possa ter alguma conexão com a sua origem - com direito a uma certeira inserção de "Seasons", do Chris Cornell. Cavill convence como bom-moço mezzo decidido mezzo inexperiente. Conseguiu não apenas caracterizar o Superman em formação como também guiar o espectador pela trama.

A única ressalva vai para a quantidade pífia de linhas à sua disposição. Mesmo transmitindo serenidade no papel, Cavill foi um tanto amordaçado pelo script, sugerindo um certo pé atrás do diretor com seu ator - quase reeditando a tática de Bryan Singer com o então novato Brandon Routh, no Super 2006.

Bobagem. É fácil ver a competência dele, especialmente na cena breve, mas marcante, que dividiu com Kevin Costner. Que, por sinal, foi uma excelente escolha para o pai adotivo do escoteirão. Com sua bagagem de veterano e de ex-#1 de Hollywood, Costner passa toda a confiabilidade e afetuosidade que se espera do papel. Mas, ironicamente, veio do personagem dele o primeiro sinal de que havia algo de errado no ar.

Na verdade, "sinal" é pouco... eu diria mais um direto de direta, onde Jonathan mostra que não é um caipira do Kansas e sim dos Ozarks:

- "E o que eu deveria ter feito, deixa-los morrer?"
- "Talvez."

E conclui:

"There's more at stake here than just our lives and the lives of those around us."

Grande Júpiter.

Ou ele projetava um Clark sociopata e tirânico para o futuro ou foi substituído por um Jonathan Bizarro com as melhores (ou "piores") intenções. Logo ele, recém-saído da boa caracterização de John Schneider na série Smallville. Aconselhar Clark a não salvar a vida de inocentes - crianças ainda - para esconder o que fosse nunca fez parte de seu perfil, seja em qual versão ou mídia. Jonathan seria expulso do Hall dos Mentores das HQs na hora, pelo Ben Parker em pessoa, que entoaria sua mais célebre frase com a voz de James Earl Jones pra ele nunca mais esquecer.

Desnecessário chafurdar a fundo nesse absurdo, mas vamos considerar que essa é sua natureza no filme, de alguém preocupado e temeroso pelo futuro do filho, como qualquer pai seria. Dadas as circunstâncias, faltou um "pouquinho" mais de fé no garoto ali. Especialmente num garoto invencível e invulnerável que literalmente foi um presente dos céus. Ou seria tudo uma alusão ao homem comum de hoje, mais amargo, pragmático e menos afeito à solidariedade e amor ao próximo, valores esses massacrados diariamente nas manchetes policiais? Se foi, faltou combinar.

De quebra, Jonathan ainda sai de cena vitimado pela própria lógica, de forma ainda mais melancólica, mesmo que pontuada pela soberba atuação de Costner. Nem todos os memes disponíveis na web fariam jus a esse tremendo fail do roteiro de Goyer, mas, como consolo, foi fichinha perto do que estaria por vir.



Verdade seja dita, nenhum filme baseado em quadrinhos de super-heróis teve sequências de ação como O Homem de Aço. É o mais próximo de um vale-tudo entre superseres que o cinema produziu até hoje. Não deixa de impressionar a evolução na área desde X-Men, há exatos 13 anos atrás - e que agora fica parecendo até um filme do Roger Corman. Isso graças à mão pesada e vertiginosa de Zack Snyder, muito bem captada pela equipe de 2ª unidade, que, segundo me disseram, são os criativos e os operários por trás do espetáculo. E por incrível que pareça, sem uso compulsivo de câmera lenta, o crack de Snyder desde muito tempo.

Pelo contrário...






Ao ilustrar a supervelocidade dos kryptonianos em tempo (sur)real, o diretor dá a dimensão exata do poder e da ameaça que eles representam - aspecto conduzido com perfeição pela assustadora Faora. Que não é a misândrica radical dos quadrinhos, mas também é objetivista, sem remorsos e, aparentemente, ainda mestra em Horu-Kanu (o Krav Maga de Krypton). São dela as melhores brigas do filme, que passa como um rolo compressor por cima do exército e do azulão. Antje Traue, do bacanudo Pandorum, funciona tão bem no papel que quase chega a apagar da tela um gorila kryptoniano de 4 metros que comparece no campo de batalha.

Seu visual também é um deleite: a beleza e o olhar gélido da atriz alemã caíram como uma luva na indumentária futurista e meio dark - pessoalmente, um déjà vu e tanto. Entra tranquila no clube de coadjuvantes sinistros que roubam a cena com cotação recorde: 5 Darth Mauls de 5.

Paradoxalmente, é em meio a esses acertos que surge a pior faceta de O Homem de Aço. Dando plena e furiosa vazão aos subtextos proferidos pelo cajun Jonathan no 1º ato do filme, o que se vê na reta final é uma sinfonia da destruição executada no último volume. Até aí tudo bem, a Metrópolis dos quadrinhos é varrida do mapa quase toda quinzena e finalmente temos a tecnologia para simular isso num filme; o problema é quando cruza a fronteira da negligência, atropelando nada menos que a índole do escoteirão. Sua luta contra Faora em Smallville já era um prenúncio do megadeath iminente: além de salvar um ou outro militar (por fins práticos, buscando gerar confiança?), o herói pouco faz em relação aos civis residentes e trabalhadores no local.

No máximo, aconselha um grupelho de coitados a se trancarem nos estabelecimentos - os mesmos que ele e Faora moem durante o quebra, sem preocupação aparente com quem está lá, sejam mulheres, idosos, crianças, pandas, coalas, o que for. Ainda assim foi como um passeio no parque perto do que aconteceu quando Superman e Zod fizeram Metrópolis de octógono.



A tensa sequência em que Perry White (Laurence Fishburne) e mais um sujeito tentam retirar uma colega dos escombros é, talvez, a mais reveladora de O Homem de Aço. Na hora, lembrei de uma cena similar e a mais emblemática de Superman - O Retorno: Lois, seu filho e seu marido contemplando a morte certa presos num barco afundando. Singer estica a virada sadicamente até o limite, arrematando com um gancho que sintetiza, sem que nenhuma palavra seja dita, a essência do Superman. Ou, pelo menos, daquele o qual estávamos acostumados. No novo filme, a coisa é bem diferente. Com uma máquina do Juízo Final bombando a poucos metros dali e com seus esforços se mostrando em vão, em dado momento White decide entregar os pontos e permanecer ao lado da amiga até o fim inevitável. Naquele momento, eles só tem um ao outro e nenhuma esperança. Ninguém virá. E não vem mesmo. Você tem um homem de aço na sua cidade, mas está por sua conta. Sem essa de superamigo.

Agora imagine quantas dessas microssituações dramáticas se deram entre as ruínas de Metrópolis enquanto dois deuses trovejavam no céu e derrubavam mais prédios? Dante Alighieri manda lembranças.

Longe de querer um caos ordenado que se auto-justifica a cada 5 segundos. É óbvio que um evento dessa magnitude faria cadáveres brotarem do chão. Acontece todo tempo nas histórias do herói, ainda que implicitamente, mas sempre administrado por uma atitude protecionista em relação aos frágeis e mortais terrestres. Não de forma que interrompa o fluxo da ação ou da narrativa, mas em breves cenas sugerindo que ele fez o que pôde antes de se dedicar à pancadaria em definitivo - é o padrão desde sempre, nas HQs, nos longas animados e, adivinha, nos filmes com o Reeve. Haviam opções para mover o confronto para outro lugar, como no espaço, onde ele até tentou (só que, infelizmente, sempre caíam nos mesmos lugares... magia do Caos, for sure). O oceano era logo ali. Desertos, cânions e o pólo ártico não eram nem na esquina pra eles.

Se foi inexperiência, compro até certo ponto. Mas fica complicado quando o único civil que Superman se digna a salvar é exatamente a Lois - três vezes durante o filme, sendo a última delas um deus ex machina que coraria até o T. Rex do final de Jurassic Park. Se isso tudo fosse uma análise comportamental sobre ele, como eu deveria interpretar?

E por incrível que pareça, nem menção posterior há aos prejuízos astronômicos e às prováveis milhares de vítimas das ações dos kryptonianos (todos eles). Algo que poderia muito bem ser resolvido de uma forma sutil, emocionante e respeitosa sem gastar tanto tempo ou baixar uma nuvem deprê no contexto PG-13.

O Homem de Aço se compromete com o aspecto humanista e sociológico da situação, mas não segura o rojão. E olha que não sou de nenhum Comitê dos Direitos Humanos dos Seres Vivos Fictícios. Sou fã de cinema-destruição. Rio muito sempre que o Lobo lembra como destruiu seu planeta natal. Darth Vader explodiu Alderaan e tenho um Vaderzinho de chumbo na minha mesa. Meu personagem favorito dos quadrinhos é Galactus. Nenhum deles tenta ser o que não é - ou mais do que é.

Diante disso, ficaria feliz em não ter mais nada a questionar, porém, a vida não é fácil pra quem detesta fazer coro com rebanho moralista. E calhou disso acontecer justamente na cena mais polêmica do filme.


Spoiler?

De um lado, uma linda família caucasiana recém-saída das filmagens de um comercial de margarina. De outro, Superman aplicando um mata leão em Zod, que diz em alto e bom som que vai flambar todo mundo porque Kal-El não tem cojones de aço pra impedi-lo. Além de recorrer a uma imagética vexaminosa de tão apelativa e maniqueísta, a edificante solução encontrada pelo roteiro de Goyer não poderia ser mais populista em sua visão mais primária e obtusa da Justiça, eliminando qualquer fagulha de inspiração e idealização que poderia advir do Superman. Ufa. Como bem disse Brainiac em saga recente, é uma decepção ver um filho de Krypton reduzido a um bruto.

Sério que ele não conseguiu pensar em nada, mesmo com Zod dominado numa super-gravata? O Super mesmo foi nocauteado por Faora e o gigante em dado momento, então isso era possível na lógica do filme. Ele poderia ter apertado mais até o vilão perder os sentidos. Ou, sei lá, socado sua cabeça até conseguir. Depois poderia tê-lo levado até a nave exploradora e buscado intel para contê-lo (radiação do sol vermelho, simulação de atmosfera kryptoniana, etc). Provavelmente até acharia por lá um daqueles pen-drives kryptonianos com o Jor-El backupeado, pronto para auxiliá-lo a despachar novamente o general para a Zona Fantasma. Ou qualquer coisa.

Mas preferiram colocar o Superman matando no primeiro filme da sua muito aguardada reabilitação cinematográfica. Pior, se submetendo ao joguinho de manipulação do vilão, descendo assim ao seu nível. Em algum lugar de uma galáxia distante, Luke Skywalker dá um facepalm.

Ironicamente, soou como um upgrade da infame cena "América para os americanos" do Superman II original. Isso, mais o fato do mundo fora dos EUA ser retratado no filme como uma terra de ninguém terceiro-mundista, constitui uma clara mensagem pra quem se atrever a pisar no quintal gringo. Slavoj Žižek aproveitaria até a raspa desse tacho. Sem medo de soar purista, filme de Super-Homem não é lugar para pregações reacionárias. Não dá pra corroborar com um Superman que age como alguém sem superpoderes, sem perspicácia e sem opções, rendido pela máxima popular do "bandido bom é bandido morto" - com certeza existe mais de um equivalente republicano-redneck disso aí.

O desenlace do final foi igualmente atordoante, no mau sentido, com Clark indo trabalhar no Planeta Diário. É exigir demais da suspensão da descrença. Dá a impressão que Goyer já havia perdido completamente o controle e apressou a conclusão o mais rápido possível para evitar mais danos, tal qual um piloto de airbus que descarta o combustível em pleno ar, certo de que o pouso será de nariz.



O lado positivo disso tudo é que Henry Cavill se sobressai ileso aos carrinhos criminosos do roteiro com uma atuação digna e segura, até mesmo em sua reação após o "inevitável". O que, sem dúvida, foi essencial para a boa química de Clark e sua mãe adotiva, Martha - uma ótima Diane Lane com maquiagem envelhecedora pra chocar os trintões. E eu ainda nem terminei de suspirar por ela em Ruas de Fogo...


Só elogios para a encantadora Amy Adams, que, mesmo sendo jogada de lá pra cá de forma pouco criteriosa, faz uma Lois sexy, atrevida, sagaz, no tom certo de humor - e aparentemente velocista nível mach 10, já que faz o eixão meio-oeste/costa leste norte-americana em tempo recorde.

Foi bem sacada a escalação de Richard Schiff para o papel do Prof. Emil Hamilton, personagem pouco conhecido do público em geral, mas frequente colaborador do herói nas HQs e nas séries animadas. Igualmente para a participação do grande Christopher Meloni como o coronel extrassacudo que chama Faora na chincha não uma, mas duas vezes. Já Russell Crowe apenas não compromete, embora tenha ficado um tanto galhofeiro e fanfarrão nas cenas do Jor-El holográfico. E desceu quadrado o cacete que ele, um cientista, deu em Zod e mais uns capangas no início do filme, mas deixa baixo.

A edição meio truncada e corrida, à Nolan, também não funcionou a contento. Apesar de turbinar a dinâmica, suprime momentos potencialmente emocionais como a cena em que Jonathan revela a cápsula para Clark - numa notável atuação do garoto Dylan Sprayberry, por sinal. E a tão alardeada estreia do "universo compartilhado" da DC nos cinemas foi tímida: limitou-se a um logo-Lex aqui e um satélite Wayne acolá. Pouco pra quem tem a pretensão de reeditar a campanha bem-sucedida da Marvel Studios, ainda mais considerando que o UDC sempre foi mais integrado que a concorrência. Em contrapartida, a justa homenagem ao Christopher Reeve foi arrepiante.

A cena que fecha o filme é evocativa e belíssima. Clark bem menino, brincando no quintal de casa com seu cachorro, em meio aos varais e roupas estendidas. É universal. E ao mesmo tempo, não podia ser mais íntimo. Talvez seja aí que resida a verdadeira força de O Homem de Aço, perdida entre o filme que há muito queríamos ver, o filme que nos foi dado e o espírito e o coração do velho Superman.



Ps: o Luwig fez um fantástico texto sobre o filme com referências e especulações a granel.

FONTE: Black Zombie